domingo, 7 de maio de 2017

De Farroupilha-RS a San Pedro de Atacama - Parte 1

Já fazia um bom tempo que eu estava querendo fazer uma viagem de carro com alguns milhares de quilômetros para algum lugar interessante na América Latina. Em 2014, eu havia ido até Colônia de Sacramento no Uruguai e foi um passeio bem legal, mas desta vez eu queria algo com um pouco mais de aventura. Daí surgiu a ideia de San Pedro de Atacama.

O primeiro passo foi selecionar a rota. Como sairíamos de Farroupilha-RS e passaríamos por Veranópolis-RS para pegar minha mãe e irmã que iriam junto comigo e Mirandinha, decidimos cruzar a fronteira por Porto Xavier-RS. O roteiro completo da viagem acabou ficando assim:

Veranópolis - Porto Xavier
Porto Xavier - Posadas
Posadas - Avia Terai
Avia Terai - Salta
Salta - San Pedro de Atacama
San Pedro de Atacama - San Antonio de los Cobres
San Antonio de los Cobres - Cabeza de Anta
Cabeza de Anta - Aviá Terai
Aviá Terai - Oberá

Acordamos às 6h:00 e saímos em direção a Veranópolis. Aqui começava oficialmente a viagem.

Início da viagem, Veranópolis-RS.


No primeiro dia de viagem foi tudo muito bem. A fronteira em Porto Xavier é bem tranquila. Não precisamos esperar muito para passar de balsa. Só fique atento que a balsa não funciona 24h/dia. Você pode consultar os horários e preços aqui.

Do lado argentino também não tivemos problemas. Houve uma revista bem rápida no carro e perguntas do tipo: Até onde vocês vão? O que vão fazer lá?
Pois bem, quando eu respondi para o oficial de imigração que estávamos indo até o deserto do Atacama ele me mostrou umas reportagens no celular sobre a interrupção da Ruta 52 próximo a cidade de Volcán, a principal estrada que liga Salta até a fronteira com o Chile por Passo de Jama. Na hora eu fiquei meio perdido, mas pensei: - nós vamos de qualquer jeito, afinal há outras rotas...entretanto o problema era mais serio do que parecia ali.

 Ficamos hospedados no Maitei Posadas Hotel & Resort. Recomento muito este hotel, pois tem um bom café da manhã, fica localizado à beira da estrada, os quartos são bons e o preço é bem acessível. Pagamos U$ 90,00 por uma diária para um quarto para 4 pessoas. Abaixo algumas fotos do hotel.

Maitei Posadas Hotel & Resort - Posadas, Argentina

Entrada do Maitei Posadas Hotel & Resort 

Deixando o Maitei Posadas Hotel & Resort pela manhã

No segundo dia ficamos hospedados no Hotel de Campo el Rebenque. Na verdade, apesar do nome, não era um hotel. Estava muito mais para uma pousada. A estrada de acesso era horrível! Havia chovido no dia anterior e, como era estrada de terra, estava totalmente embarrado. Tivemos que percorrer  uns 4 km de estrada a 10km/h porque o carro deslizava muito...e isso que era uma RAV4 com pneus adaptados para estrada de terra. O preço pago foi baixo, U$ 65,00, entretanto, sem direito a café da manhã. Teríamos que fazer o nosso café e por isso havíamos comprado umas coisas para comer pela manhã. Ficamos em uma espécie de cabana. Cada cabana tinha uma peça grande com camas e uma espécie de cozinha e um banheiro.  Na verdade não tivemos uma boa experiência nesta pousada. Haviam baratas mortas no quarto e a louça disponível tinha um aspecto terrível. O terreno, entretanto, era legal, grande e cheio de cabras. Tiramos umas fotos e fomos caminhar em direção a um mato, mas não foi uma boa ideia. Haviam tantos mosquitos, mas tantos mosquitos que tivemos que voltar correndo desesperadamente para o quarto.

Cabra fazendo pose para foto em Oberá-Argentina
Mirandinha e minha irmã adoraram as cabras!

Mirandinha e Ana Paula fazendo pose com as cabras
No dia seguinte, acordamos cedo, e tomamos um café. Foi meio miserável, diga-se de passagem, mas seguimos em frente. Neste dia andamos por cerca de 620 km até a cidade de Salta no norte da Argentina. A estrada até lá é muito boa, a grande maioria do trajeto praticamente não tem curvas e não é muito movimentada nesta época do ano. Percorremos o trajeto com boa velocidade e sem problemas. Na verdade há trechos em que é muito difícil andar abaixo do limite de velocidade, que em nosso trajeto era de 110 km/h. 

Em direção a Salta- Argentina

Estrada deserta e sem curvas por muitos quilômetros
Chegando em Salta nos hospedamos no Hotel Iris. Era um hotel tranquilo próximo ao centro da cidade e com um preço bem acessível. Pagamos U$ 57,60 por cada quarto duplo. Na terraço do hotel havia uma vista legal das montanhas ao redor de Salta. As fotos abaixo foram tiradas na nossa chegada, antes de uma chuva que cairia naquela noite e que mudaria completamente os nossos planos.

Vista do terraço do hotel - Salta, Argentina

Vista do terraço do hotel - Salta, Argentina
Naquela noite choveu muito. Foi bom para dormir, mas eu não tinha ideia do que ela realmente representava. Ao amanhecer fizemos o check-out e saímos em direção ao Chile. A ideia era pegar a ruta 51, passando por Santo Atonio de los Cobres. Teríamos que fazer isso porque a rota 52 ainda estava interditada. Lembrem que esta rota estava interditada desde que havíamos chegado na Argentina. Saímos felizes do hotel, mas cerca de 35 km depois de Salta encontramos uma barreira policial na cidade de Campo Quijano.

Barreira policial em Campo Quijano, Argentina
Saímos para conversar com alguns policias e eles nos disseram que haviam barreiras em todas as rotas que ligavam Salta a San Pedro do Atacama. Em resumo, a chuva da noite anterior foi muito intensa e ocasionou inundações e queda de pedras em alguns pontos da estrada, trancando o caminho em pelo menos três diferentes lugares. E agora?

Não havia absolutamente como ir até San Pedro de Atacama neste dia e sabia-se lá quando algum dos caminhos seria liberado. Neste ponto o nosso hotel no Chile já estava sendo cobrado. Aliás, o proprietário do Illauca de Atacama foi extremamente estúpido pela forma como tratou o acontecido. Em resumo, quando eu soube que não havia como ir para o Chile naquele dia, escrevi para o proprietário do hotel avisando que não teria como chegar lá no dia programado, mas que tentaria de novo no dia seguinte. A resposta do proprietário foi essa: "De lo contrario igual le llegara una notificacion por la no llegada al hostal que USTED reservo.  Vale decir pagara entre o no entre al hostal el 100% de su reserva que USTED genero." Bem, não foi um bom começo naquele hotel, onde eu jamais me hospedarei de novo!

Uma vez que Campo Quijano estava com o caminho trancado tentamos uma hospedagem por lá mesmo, mas não havia NADA disponível. No fim das contas, muitas pessoas estavam na mesma situação que nós. Aproveitamos para tirar algumas fotos.

Locomotiva no centro de Campo Quijano, Argentina
Enquanto andávamos pela cidade, que era minúscula, encontramos um gato faminto. Todos nós adoramos gatos e ficamos com muita pena. Foi então que lembramos que tínhamos uma embalagem de patê no carro que havíamos comprado para o café da manhã dois dias antes. Como o patê era bem viscoso, usei um plástico, aquele que fica por debaixo da tampa, para retirar o patê e ir dando ao gato. Porém, a fome do gatinho era tanta que ele acabou comendo aquele plástico também. Eu espero que ele tenha evacuado tudo direitinho.

 Alimentando um gatinho com patê em Campo Quijano, Argentina
Sem alternativas, voltamos a Salta para dormir aquele dia e torcer para que no dia seguinte alguma das rotas fosse liberada. Ao amanhecer ficamos muito apreensivos com a ideia de que poderia chover de novo. Se a chuva nos atingisse no meio da viagem, poderia ser muito perigoso haver algum deslisamento de terra. Pedimos para a recepção do hotel ligar para a defesa civil e verificar a situação. Depois de várias tentativas soubemos que a rota 52, a principal rota para o Atacama, estaria liberada até às 18:00 daquele dia. Perfeito, era o que precisávamos! Enchemos o tanque da RAV4 e saímos.

O início do caminho é tranquilo, mas aí surge uma estrada super estreita onde, de um lado há barranco e do outro precipício. Foi bem tenso, mas não tivemos problemas maiores. Paramos então para comer alguma coisa e aproveitamos para bater um papo com uns argentinos que estavam indo na mesma direção. É claro que tínhamos que tirar uma foto.

Parada para o lanche...quase saudável


Seguimos viagem, mas ainda apreensivos, pois existia a possibilidade de chegarmos a Volcán e não podermos passar devido as péssimas condições da estrada. Quando chegamos em Volcán foi possível ter uma boa noção do estrago causado pelas chuvas naquela região. Havia ainda muitos policiais e soldados do exército auxiliando a população. Foi preciso transitar muito lentamente.


Cidade de Volcán, onde o ponto mais crítico da rota 52 devido a inundação.

Estragos causados na cidade de Volcán, Argentina. 
Seguimos em frente e a geografia começou a mudar. Lentamente a paisagem foi ficando mais árida. A estrada, por sua vez, continuava muito boa. Não me lembro de ter encontrado um único buraco nesse dia.
Estrada rumo a fronteira da Argentina com o Chile
Tipicamente em regiões áridas, surgem os cactus e a vegetação muda bastante.  Tivemos que parar para tirar umas fotos. Embora não pareça na foto abaixo, esses cactus são enormes, com cerca de 4 metros de altura.

Diversos cactus ao longo do caminho na província de Jujuy

Paisagem árida rumo a fronteira da Argentina com o Chile
Finalmente começamos a subir a cordilheira. Aqui preciso comentar que, embora fosse possível notar que o motor percebia um pouco a altitude, não houve nenhum problema. Na verdade, durante a viagem chegamos a mais de 4.400 metros de altitude e a RAV4 suportou sem nenhuma dificuldade. Na foto abaixo é possível ver a estrada, neste trecho, altamente sinuosa.

Vista da estrada subindo a cordilheira dos Andes
Após chegar ao ponto mais alto, seguimos por mais um tempo e encontramos um deserto de sal, Sales de Jujuy. Neste salar há também uma planta de carbonato de lítio.

Sales de Jujuy, Argentina.

Sales de Jujuy, Argentina

Sales de Jujuy, Argentina.

Depois de sair do salar nos dirigimos até a fronteira. Neste ponto eu já estava começando a ficar um pouco preocupado com a questão do combustível. De Salta até San Pedro de Atacama, pela rota que escolhemos haveriam três postos de combustível.  O primeiro posto era muito próximo ao nosso ponto de saída e então, como estava com mais de 3/4 de tanque decidi não abastecer. Quando eu estava chegando próximo de meio tanque chegamos ao segundo posto. Não havia gasolina! Perguntamos então se haveria mais algum posto até a fronteira e nos disseram que exatamente na fronteira haveria um posto. Depois disso, só em San Pedro de Atacama.

Como todas as rotas haviam ficado trancadas por uns dias, muitos motoristas seguiram viajem ao mesmo tempo, digamos que mais do que o normal. Por isso não havia combustível no segundo posto e, adivinhem, não havia quando chegamos na fronteira. Chegamos lá com pouco mais de 1/4 de tanque e teríamos que percorrer 170 km. Quando eu soube disso, gelei! Era mais do que a performance média da camionete poderia fazer. Não havia como voltar! Decidimos então simplesmente esperar, cruzar os dedos e tentar economizar o máximo de combustível possível no que nos restava de viagem até o hotel.

Fila para atravessar a fronteira em Paso de Jama.
 Achamos que a espera poderia demorar uma ou duas horas, mas acabou demorando quatro horas e meia. Para passar o tempo o negócio era fazer qualquer coisa, como fazer pilhas de pedras.

Matando tempo para atravessar a fronteira.
A fila de carros andava muito lentamente. A cada 5 a 10 minutos tínhamos que mover um pouco o carro. Como já estávamos na fase de economizar o máximo de combustível, empurrávamos. Empurrar uma RAV4 em terreno plano não é grande coisa, mas tente fazer isso a 4200 metros de altitude! A cada vez que eu empurrava o carro, ficava uns 3 minutos sem conseguir falar!  


Quando finalmente chegou a nossa vez de enfrentar os oficiais de imigração entendemos porque demorava tanto. Muita desorganização! É necessário enfrentar cinco ou seis filas diferentes. Ninguém te orienta. É um monte de gente se empurrando e tentando sair logo de lá. 

Passamos mais uma meia hora ali e tivemos que trazer o carro para vistoria. Tínhamos uma forma de um queijo delicioso de cabra que havíamos comprado em Salta. Na imigração descobrimos que nada de origem animal ou vegetal passava. Tivemos que jogar o queijo fora! Mirandinha pegou a forma e jogou em baixo de uma camionete que estava ao lado da RAV4. Foi uma cena ridícula, mas ficamos com medo de ter algum tipo de complicação se os oficiais encontrassem o queijo. Preciso dizer que minha mãe, com sua essência italiana de ser, ficou muito triste com o fim que precisamos impor ao queijo.

Já era noite e começava a esfriar bastante. Os chilenos revistaram todo o carro. Tudo mesmo! Revistaram também toda a nossa bagagem e encontraram duas maçãs. Nós havíamos esquecido. Levamos um puxão de orelha básico e perdemos as maçãs.  Pronto, estávamos finalmente liberados para cruzar a fronteira, mas será que conseguiríamos chegar até o hotel com a miséria de combustível que tínhamos? E se tivéssemos que parar na estrada, no meio do nada, a 0ºC?  Bem, isso é uma história para a próxima postagem!