terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A montanha de Huaytapallana

Gemma e eu registrando respirando o ar da montanha

Quando já estava definida minha viagem para Huancayo, a primeira coisa que fiz foi dar uma olhada no que havia para se fazer por lá. Dei uma olhadinha básica no Tripadvisor e encontrei relatos sobre um passeio que se faz para um nevado, o Nevado de Huaytapallana. Se você quiser saber um pouco mais sobre a montanha, que tem 5570m de altitude, pode ler aqui.

Quando li um pouco sobre o passeio que era oferecido por diversas agências em Huancayo, ficou claro que não era um passeio nível fácil ou médio. Como eu adoro aventura, e já havia chegado até 4200m uma vez se ter sentido nenhum mal devido a altitude, pensei que não haveria nenhum problema em fazer esse passeio. Claro que fazê-lo sozinho não teria graça, então tratei de convencer as outras sete "vítimas" a fazê-lo também. Todo mundo aceitou o desafio e dois dias antes fomos até a agência da empresa Cruz del Sur comprar os tickets.  Não me lembro exatamente o nome da agência da qual compramos o passeio, mas ficava ao lado da venda de passagens da Cruz del Sur.

Na hora de comprar o passeio nós perguntamos sobre o nível de dificuldade, e ressaltamos que o guia teria que seguir o nosso ritmo. Eu fiz questão de deixar isso claro, porque já havia lido sobre alguns guias que não tinham muita paciência com aventureiros lentos em Huaytapallana.

Havíamos combinado para a Van nos pegar no Hotel às 8:30. Com uns 20 minutos de atraso chegou o transporte. Haviam, além de nós oito brasileiros, mais três peruanos, sendo um casal. O guia era de outra agência. Ele falava bastante e entre as várias coisas que ele comentou que não me prenderam, as três regras da montanha ficaram marcadas na mente: 1 - Nunca se deitar, por mais vontade que se tenha; 2 - Nunca ficar para trás, ficar com o grupo; 3 - Nunca se aproximar de outro grupo que esteja "haciendo el pago". Hacer el pago pode ser traduzido como fazer a oferenda. No caso a oferenda é feita para a montanha, já que na cultura Inca a montanha é considerada sagrada. 

Depois de uns 40 minutos na Van fizemos uma parada em um vilarejo para comprar chá de coca e folhas de coca. Teoricamente isso te ajuda a suportar melhor os efeitos da altitude, mas no meu caso, como eu contarei melhor mais adiante, só me ajudou a vomitar mais rápido!

Voltamos para a Van e o guia nos pergunta: - Qual caminho vocês compraram? Ninguém entendeu nada! - Pessoal, existem duas rotas para subir Huaytapallana, uma que dura três horas para subir e mais três para descer e que só vê uma lagoa e outra que dura oito horas entre subida e descida, mas que vê duas lagoas e tem um caminho de ida e volta diferente. Rapaz, neste momento eu pensei, a rota mais longa deve ser bem mais legal, mas é muito tempo...ai eu dou a ideia de deixar os peruanos decidirem. Adivinha? Ganhou a rota mais longa...aí começavam os erros!

 Mais uns 40 minutos e chegamos até a base da montanha, onde havia um lugar para o almoço, que seria servido na volta. Era um lugar bem simples, mas bem simples mesmo. Usamos o banheiro e, acredite, era só um buraco no chão!!

Então, todos muito animados e empolgados e começamos o trecking.

Nosso guia, Miguél, passando algumas orientações para o trecking.

Pessoal fazendo selfie no início da caminhada.

Avistando a primeira lagoa do caminho.

No início parecia tudo fácil. Não senti absolutamente nenhum mal estar e isso tendo em conta que iniciamos a caminhada em uma altitude de aproximadamente 4200 m. Era foto pra tudo o que era lado e todo mundo feliz.

Hércules (segurando um chazinho de coca) e eu.

É claro que alguns dos membros da aventura estavam loucos para tirar fotos com alpacas e llamas. Eu, para ser sincero, nunca soube bem a diferença entre esses animais, mas se vocês quiser saber aqui tem um link interessante. No final das contas encontramos muitas alpacas!

Nosso guia afastando as alpacas para que pudéssemos seguir a trilha

Alpaca fazendo pose para foto

Júlio maravilhado com tantas alpacas

Não demorou muito para termos uma vista de um nevado. A ideia, inclusive era chegar até ele.

Primeiro gelo avistado no passeio
Vista do lago com gelo no topo da montanha

Posando para foto uma das peruanas que estavam com o nosso guia

E continuava a caminhada. Mathias, a peruana e eu na frente, os outros brasileiros logo atrás e o casal peruano cada vez mais longe de todos...começávamos a nos preocupar um pouco.

Última parada antes do "pago"

Não tenho fotos do "pago, mas resumidamente fizemos um círculo com pedras e colocamos folhas de coca e uns doces que havíamos comprado no vilarejo. Além disso, tomamos um gole de uma bebida deles (um tipo de cachaça) e cada um também ofereceu àquele golezinho sagrado para a montanha. 

Honestamente eu acho que a cachaça era muito ruim e que a montanha deve ter detestado, porque depois do "pago" tudo começou a dar errado pra nós. Eu comecei a ter uma crise de enxaqueca horrível. Se enxqueca já é ruim ao nível do mar, imagina a quase 5000 m de altitude! Também comecei a ter náusea muito forte até que uma hora sentei um segundo para descansar e, não deu outra, vomitei todo o chá de coca!! É, mas nada está tão ruim que não possa piorar. Uma neblina muito forte baixou em questão de minutos e começou a chover granizo. Sim, isso mesmo, granizo! 

Todos sentados, já exaustos aguardando os retardatários momentos antes da chuva de granizo começar.

Foi rápido para todos ficarem molhados e começarem a passar muito frio. Eu não parava de tremer.

Todos já muito cansados aguardando nosso guia

Já não tínhamos mais visibilidade alguma, muito cansados, molhados e aí eu falo com o Hércules e pergunto:  - Vamos voltar? Não vai adiantar nada ficar sofrendo para chegar até o topo porque não vamos conseguir ver nada de qualquer jeito. Ele topou na hora. Falamos com os outros e eles também toparam. Então, quando chegou o guia falamos para ele, mas segundo ele não valia a pena voltar. Seria mais fácil e mais rápido seguir o rumo previsto. Fazer o quê? Tivemos que confiar nele. 

Subimos mais uma meia hora e chegamos até um ponto muito bonito, porém como estava nublado a vista não foi das melhores.

Vista do gelo no alto de Huaytapallana

Pessoal exausto conversando com o guia para não subir mais

Bem, se teve uma coisa que eu aprendi nessa minha aventura no Perú (foi minha terceira vez no país) é que os peruanos simplesmente não conseguem reprogramar um plano. Isso significa que se o nosso guia tinha a ideia inicial de ir por um caminho e voltar por outro, ele ia fazer isso. Não importava que estivéssemos passando mal e que o tempo estivesse horrível. Quando chegamos neste ponto com o gelo, que devia estar a uns 5000 m de altitude o guia queria subir mais uns 300 m para que pudéssemos andar na neve. Acontece que a gente mal conseguia andar! Foi então unânime a decisão de voltar daí. Perguntamos várias vezes para ele: - Miguel, a partir de agora é só descida, não? O caminho, como tu comentou antes, é mais fácil do que a ida, não? E ele só dizia: Calma jovenes, ahora va a ser solamente bajada e va a ser mas facil! O guia tirou uma foto de todos juntos e esperamos mais um pouco o casal peruano, que a esta altura estava ficando preocupantemente lento.

Foto da equipe antes da volta. Notem que o casal peruano ainda não havia chegado.

Como a latitude da montanha é de mais ou menos 11,5º, escurece próximo das 18:00, mesmo no verão. Imaginem que nós havíamos começado a subir a montanha quase 11:00 e eram previstas quatro horas somente para subir. Conclusão, a gente precisava andar o mais rápido possível para que chegássemos antes do escurecer. Haviam, no entanto, dois grandes problemas: 1 - Não havia trilha para a volta, não havia caminho delimitado, o que significava que precisávamos do guia para saber para onde ir. 2 - O casal peruano estava sempre muito atrás, em especial o homem que quase não conseguia mais andar.  Imaginem então a cena, o guia não podia simplesmente deixar o casal peruano para trás e não tinha como carregar o peruano (o terreno era muito acidentado, cheio de pedras soltas). Por outro lado nós precisávamos andar rápido, ou iria ficar escuro e se já era difícil caminhar de dia, imaginem como seria a noite. Além de tudo, estava ficando cada vez mais frio, e o nosso ilustre guia não tinha lanterna, rádio, kit de primeiros socorros e nem sequer um relógio! 

O pessoal começou a ficar nervoso, e muito cansado física e mentalmente. A cada parada, sentíamos uma vontade quase irresistível de dormir. Ao fechar os olhos você viajava no espaço-tempo. Em uma ou outra ocasião eu devo ter adormecido por uns poucos segundos. Mas porque era tão perigoso pegar no sono? Porque com o ar rarefeito, se alguém adormece e os outros não percebem o deixam essa pessoa para trás, é muito provável que ela vá dormir até morrer de hipotermia a noite. 

Descansando e esperando desesperadamente o guia para continuar a volta.

E seguimos nessa aflição terrível de caminhar uns 100 m e esperar o guia, que por sua vez ouvia as nossas vozes gritando desesperadamente: - Vamos Miguél, vai escurecer!! Mas a essa altura eu já estava com pena do pobre guia, porque a cada grito nosso ele também ouvia o casal peruano gritando por ajuda. E assim foi até que já estava quase escuro e o caminho ficou um pouco mais fácil. Foi nesse ponto que o guia e um de meus alunos colocaram cada braço do peruano sobre seus ombros e literalmente começaram a arrastar o homem. Já não era possível enxergar quase nada quando a gente ouviu uma buzina. Era a buzina da van. Todos gritaram de alívio!

Chegamos então a base e, acreditem, o pessoal ia começar a fritar os peixes que comeríamos no "almoço". O problema é que, só havia uma vela no lugar de chão batido. Sim, apenas uma vela para o cozinheiro e para todas as pessoas. Foi neste ponto que a Mirela, aluna do Gemma começou a chorar e o Felipe vomitou. Falamos para o guia que só queríamos chegar no hotel. Não queríamos janta, só queríamos ir embora. Tivemos que esperar um pouco mais, porque o casal peruano já havia começado a comer. É, neste momento fiquei com um pouquinho mais cansado, mas agora estávamos a salvo.  

O que posso dizer da montanha de Huaytapallana? Vale sim muito a pena ir. O lugar é lindo, é uma experiência única. Hoje, quando nos encontramos, temos muita história para lembrar. Porém, se há uma dica que posso dar, principalmente no Perú é "saiba quem será o seu guia antes de comprar o passeio".  No fim, nosso guia pediu mil desculpas. Ele era uma pessoa legal, mas nitidamente não entendeu a gravidade da situação e colocou nossas vidas em risco.

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